Enfim o ano acabou. Sim, o ano em que descobrimos que nossas vidas são tão frágeis quanto nossos egos, e tao limitadas quanto nosso conhecimento. Descobrimos também que nem todos aqueles com quem compartilhamos algum tipo de vínculo compartilham dos mesmos valores e apreço pela vida. Descobrimos também que tolerância e empatia deveria ser matéria obrigatória em todas as escolas, pois está faltando. Por falar em escolas, descobrimos que mais do que nunca, professores são profissionais mais do que essenciais e mais do que sub-valorizados. Se reinventam e fazem o impossivel e o impensável com os recursos discponíveis. Muitas vezes, risíveis. Outra classe de profissionais que se mostraram ainda mais imprescindíveis, e igualmente subestimados são enfermeiros, médicos, pesquisadores de saúde e todos aqueles na linha de frente de cuidados com pacientes direta ou indiretamente atingidos pelo vírus, mas certamente afetados pela pandemia. Psicologicamente, moralmente, financeiramente, inevitavelmente.
Desde Janeiro vivemos e convivemos com a sensação de que nossas vidas estão em risco permanente. Aqui em casa, mudamos nossos hábitos basicos imediatamente, sempre pensando em nos manter vivos, saudáveis, enquanto observamos o mundo lá fora. Tudo era desinfetado, desde nossas mãos e roupas, passando por todas as embalagens de alimentos até as janelas de nosso apartamento, afinal, não sabíamos muito sobre a transmissão pelo ar, e como moramos em andar baixo, melhor prevenir do que remediar, diriam os antigos.
Digo a todos que as primeiras oito semanas de confinamento, entre janeiro e março, foram cruciais para a contenção do vírus. No condomínio em que moramos existem cerca de 25 torres/blocos numa área relativamente grande, mas sem muitas amenidades. Cerca de cinco mil pessoas moram nesse condomínio, e o movimento de pessoas externas é sempre grande, já que tudo aqui em Shanghai (e na maioria das cidades da China) funciona através de comércio eletrônico e serviços de entrega expressa. Durante essa primeira fase, as entregas foram todas suspensas, exceto alimentos e artigos de primeira necessidade e todas as encomendas eram barradas na entrada principal do condominio, que cona com outras 2 entradas auxiliares, que foram temporariamente fechadas. Quem morasse no complexo tinha que apresentar seu crachá, tirar temperatura e estar usando máscara para poder sair até o local de coleta. Qualquer outra pessoa estranha era barrada. nem mesmo as Ayi (pessoas que trabalhavam nas casas como empregadas) foram permitidas de entrar, pelo menos pelas primeiras 6 semanas.
Durante esse período, que incluiu o Ano Novo Chinês, vôos domésticos e internacionais foram interrompidos, viagens de trem canceladas e estradas bloqueadas. Ao final de Fevereiro, todo o stress e nervosismo presente no ar, nas notícias e informações que chegavam de todos os lugares, as conversas com parentes e amigos no Brasil e em outros países, tudo isso começava a pesar. Já eram quase 10 semanas de pandemia, e o apartamento que se tornara também escritório, sala de aula, academia, parquinho e consultório de terapia já tinha visto de tudo, inclusive surtos nervosos de todos os membros da familia.
Felizmente em Março a temperatura já estava melhor, e podiamos sair de casa, devidamente paramentados com máscaras e alcool gel para aproveitar algumas horas de ar livre. A essa altura, a vida começava a voltar ao normal, transporte público, entregas, restaurantes, abertos com medidas restritivas e protocolos, faltando apenas estabelecimentos com maior concentração de pessoas, como shopping centers, parques e finalmente as escolas.
Coseguimos aproveitar bons momentos em família, buscando recuperar nosso bem-estar e nossa saúde mental, embora em algumas oportunidades sentimos estar sob olhares suspeitos de alguns locais. Naquele momento, os chineses se encontravam seguros e os estrangeiros que chegavam respondiam pela maioria de casos de infectados, logo eram uma ameaça e embora nós nunca tivessemos deixado a cidade, eles não sabiam e alguns claramente temiam a proximidade. Em um determinado momento um pai chegou a remover seu filho do parquinho quando cheguei com minha filha menor, de 4 anos, para brincar.
Maio chegou e voltamos as aulas presenciais, após 14 semanas de isolamento e ensino a distância. Protocolos e normas criadas e implementadas, almoço em sala de aula, máscaras, alcoog em gel, transito de corredores organizado, distanciamento, desinfecção de mesas e cadeiras, cancelamento de exames, e fechamos o ano letivo com outra situação reversa porém esperada: formaturas online. Nenhum pai era autorizado a entrar no campus, e nosso novissimo, recém construído auditório não poderia receber mais de 50 pessoas ao mesmo tempo.
A segunda metade do ano tornou isso ainda mais evidente, especialmente com o bloqueio completo dos vôos internacionais. Vimos de perto a batalha que algumas familias brasileiras amigas travaram para reunir membros que estavam separados a meses. Finalmente em Setembro muitos deles retornaram a suas casas e ao convivio de pais e mães isoladas. Infelizmente outros não tiveram tanta sorte, e muitos perderam seus empregos e abandonaram pertences sem poder retornar.
Em nossa escola, alguns alunos iniciaram o ano ainda com aulas online, e ainda hoje existem alguns que não conseguiram retornar a nossa cidade. felizmente aos poucos os procedimentos restantes estão sendo relaxados e logo em breve teremos alunos e professores circulando normalmente entre nossos prédios e corredores, como a escola deveria ser sempre.
De fato, nunca mais seremos os mesmos, afinal o que mais tivemos durante esses quase 11 meses de pandemia foram chances de aprender e evoluir, sejam traumáticas as situações ou não. Pessoalmente eu entendi que era necessário encarar essa combinação de fatores para rever valores, reavaliar hábitos e atitudes, desenvlover novas habilidades e reforçar os laços com aqueles que mais importam em nossas vidas. O ano acabou, entretanto não sabemos até quando isso vai durar, portanto é melhor não perder tempo.
Cuidemo-nos uns dos outros, tenhamos resiliência, resistência e empatia, tudo isso com muito amor próprio e ao próximo, para que todos possamos sair dessa situação vivos. Usemos esse novo ano pare refletir e renovar nossa esperança em uma sociedade mais solidária, responsável e ativa, trabalhando juntos para um futuro melhor.
Usem máscara!
Feliz 2021.